
La Paz não é para qualquer um. Para começar, é a capital mais alta do mundo (com 3.600 m de altitude). Aliás, é uma região cheia de superlativos: tem o maior e mais alto lago navegável do mundo-Titicaca- (3.800 m) e também a pista de esqui mais alta do mundo (5.421 m). Difícil competir, não!? A minha primeira impressão ao pisar em solo boliviano foi o "caos"! No aeroporto de El Alto a fila da imigração parecia não ter fim, para apenas dois funcionários. Só conseguimos sair de lá quase uma hora depois! Mas nada que uma boa noite de sono não resolva. Enfim, La Paz estava a minha espera! Andei a pé por toda a cidade e não senti o tal "mal de altitude". Mas, se você gosta de andar rápido como eu, esquece! Devagar e sempre, este é o lema. Apesar de ser um dos países mais pobres da América Latina, não vi um mendigo ou criança pedindo esmola nas ruas. Vi sim, pessoas simples, uma população essencialmente indígena, gente orgulhosa de seus ancestrais. A valorização da cultura inca é o ponto forte do país. É claro que não andei por todas as ruazinhas estreitas de La Paz, e talvez tenha mesmo perdido alguma coisa interessante. Mas, certamente, não fiquei presa às atrações turísticas típicas. Pelo contrário. No primeiro dia gosto de sair andando sem rumo. Paro onde acho interessante, pergunto, converso, ando, tiro foto, converso, ando, pergunto, e anoto tudo! Que povo simpático! Vejo que meu espanhol 'rudimentar' funcionou muito bem! Raramente eu me perco nesses lugares, mas se isso acontece, é um prazer enorme tentar descobrir o caminho de volta. Tenho boa memória visual. Vou marcando pontos imaginários que ficam gravados em minha mente durantes anos! Posso voltar lá quantas vezes quiser, que me lembrarei de todos os caminhos por onde andei.

Uma coisa que me chamou a atenção foram os ônibus urbanos. Parecem aqueles ônibus escolares do século passado. Sempre lotados, e o motorista para em qualquer lugar da rua se alguém fizer sinal com a mão. Não existem pontos de ônibus fixos, e quem está de carro tem que ter o maior cuidado, pois eles param de repente, sem dar sinal. Aliás, o trânsito ali é sufocante, com muitas vans, kombis e ônibus antigos circulando em meio a poucos carrões mais modernos. Fiquei bastante enjoada no dia em que peguei uma van. Sinal de trânsito parece estar ali só de enfeite, ninguém respeita. Todos querem disputar quem consegue colocar o carro na frente primeiro, uma LOUCURA! melhor mesmo é ir a pé.

As praças em La Paz são super bem cuidadas e dividem a atenção entre alguns prédios modernos e outros bem antigos. A maioria das pessoas que conheço jamais procuraria a Bolívia para turismo. Eu diria que vale a pena insistir e não dar ouvidos às "maledicências" do lugar. Especialmente La Paz que, apesar de caótica, é encantadora! Mas uma coisa tem que ser dita: todo cuidado é pouco com a comida e a água de lá. Comidas estranhas, com temperos esquisitos devem ser evitadas. A água que eles utilizam no manuseio da comida e preparo também não é muito confiável. As bactérias de lá são diferentes e nosso organismo não está acostumado. Todos passamos mal nos dias seguintes. Meu intestino só queria pegar o primeiro voo de volta ao Brasil! Mas segui firme durante uma semana. E não me arrependi!

Numa das ruas principais de La Paz me deparei com este muro super colorido que conta em resumo a história do povo boliviano: a chegada dos espanhóis dominando tudo, a guerra entre eles e a sua maior riqueza, as reservas naturais de gás. Injustamente, a Bolívia é um dos países mais desconhecidos da América do Sul que, com sua riqueza cultural, se transforma em um paraíso natural carente por ser descoberto!
Che Guevara é idolatrado na Bolívia. Sua foto está estampada por toda a cidade. Este argentino idealista terminou seus dias de peregrino da revolução adoentado e morto a tiros, defendendo o povo boliviano. Esta praça, no centro de La Paz, tem umas barracas montadas onde se passa um vídeo contando a história de luta pela independência da Bolívia e todas as injustiças cometidas contra seu povo.
A igreja (e museu) de São Francisco é imperdível. Na parte central da cidade, é ali que todos se encontram no intervalo do almoço para conversar ou simplesmente ver o tempo passar em suas escadarias. Dez minutos ali é tempo suficiente para ver como é o dia a dia das pessoas do lugar. Gente simples, com suas roupas típicas, homens querendo ler o seu futuro, executivos, crianças carregadas nas costas pelas "Cholas" (nativas indígenas), gente falando vários dialetos indígenas, uma verdadeira viagem no tempo e no espaço!
As cholas são nativas indígenas, usando seu chapéu coco típico, que se orgulham de manter a cultura de seus ancestrais. Os principais povos e línguas faladas são Aymara, Quechua, Kalhahuaca e Guarani. A Bolívia foi uma terra de grandes civilizações, até serem dizimadas pelos espanhóis. O império Inca foi praticamente destruído, restando apenas sua brava e linda história.
A praça em frente a igreja de São Francisco é um mosaico cultural em La Paz. Não fosse o sol, com seus raios ultra violeta intensos nesta altitude, ficava ali por horas observando os pequenos detalhes de tudo, imaginando como viviam seus ancestrais, e como a cultura pode ser tão forte em um país........
As Cholas carregam os pequeninos nas costas, em suas mantas ultra coloridas. Seus passos ritmados fazem qualquer criança dormir um sono profundo....... Não há barulho ou buzina que as faça acordar!
AMO as cores e tudo que tem vida! São detalhes que me fazem parar no meio da rua e clicar. Depois, claro, vou lá saber do que se trata, ou apenas fico olhando os tão bem traçados detalhes. Aqui fica um Centro de Artesanato Local (que de artesanato não tem nada, só o nome!). Bons, bonitos e baratos artesanatos se escondem nas pequenas e estreitas ruazinhas espalhadas pela cidade.
Na "Calle de las Brujas" há inúmeros artesanatos de todas as cores possíveis e imagináveis! Um painel de parede, feito com lã de lhama, com desenhos incas sai por apenas 40 bolivianos (cerca de 5,50 dólares!). Bolsas, Chullos (gorros de lã), mantas de sofá, chales lindíssimos de lã de alpaca, jogos americanos, caminhos de mesa coloridos, almofadas, tapetes incríveis...........tudo muito barato! Quem leva pouca bagagem não pode se entusiasmar muito, ou terá que levar uma bolsa extra para não se arrepender depois. Agora, pergunte o que eu fiz????

Conhecida pela suas inúmeras barracas de feitiçaria, a rua das bruxas é passagem obrigatória. Nessa daí eu comprei um vidrinho de amuleto (onde são colocados pequenos objetos para atrair sorte e proteção). Ao embalar e lacrar o amuleto com lã de lhama, a Chola disse algumas palavras irreconhecíveis em seu dialeto aymara e depois me entregou. Quero acreditar que seja "boa" feitiçaria e que me traga sorte! Esta barraca, especialmente, me chamou a atenção pelos 'fetos de lhama' empalhados à venda. Dizem que são abortados naturalmente (mas tantos assim? Hã hã.....). Para eles, queimar feto de lhama dentro de casa serve para purificar a casa e a família, além de atrair fartura. Praticamente em todos o lugares por onde passei se vendem pacotinhos de folhas de coca. Você pode mascar ou fazer chá. Eu experimentei as duas maneiras, e confesso que não me deu nenhuma "piração". Aliás, o chá de coca eu tomava todos os dias no café da manhã do hotel. Nada de mais, apenas para não me deixar enjoada com a comida depois. Mascar as folhas secas de coca e ficar com elas na boca por um tempo, funciona como uma leve anestesia local.

A cidade de La Paz é sempre assim em novembro, o céu azul, uma chuva fina no fim do dia e rodeada de montanhas da cordilheira dos Andes. Com seus vulcões de neves perpétuas, desertos rochosos e fascinantes vales ao redor, assim se descortina La Paz, cheia de tesouros para quem lá chega pela primeira vez!
Do alto de um prédio se vê a cidade inteira! Na parte central, os bairros mais abastados, hotéis, centros comerciais e prédios do governo. Mais afastados, os bairros mais pobres (a grande maioria) e a população indígena que vem do interior do país. Nas ruas, aquela confusão e profusão de culturas milenares que, afinal, é o charme do lugar! Logo você se acostuma, e no final já se sente quase como uma boliviana. Mas para eles, você será sempre uma "gringa"!!!!!!
Andando pelas ruas da cidade não pude deixar de observar as simpáticas zebrinhas dando lições de trânsito aos motoristas pouco atentos. São cerca de 100 jovens espalhados pela cidade, fazendo graça com suas bandeirinhas e placas, ensinando pedestres e motoristas a se comportarem. Os jovens trabalham 4 horas nos dias de semana, recebem salário e uma ajuda para os estudos e a família. É uma ideia que deu tão certo que já está sendo exportada para a Argentina e outros países.

O Monte sagrado Illimani é o cartão postal ao fundo da cidade de La Paz. Com 6.432 m de altitude, é uma das montanhas mais altas da Cordilheira dos Andes (a mais alta é o monte Sajama, com 6.462 m). Olhando sempre para o norte, difícil imaginar La Paz sem o majestoso Illimani te observando sereno e sempre coberto de nuvens geladas! Para os alpinistas de plantão, deve ser o paraíso. Mas eu não me aventuro nessas altitudes, ah não! Sua linda visão, o perfume das montanhas e o crepúsculo único no mundo já me fazem uma pessoa mais feliz.
A caminho do aeroporto de El Alto, minha despedida da Cordilheira dos Andes. Que permaneça quase intocada pelos homens e ainda consiga resistir bravamente às inconsequentes mudanças climáticas!!!
Tchau!